sábado, julho 29

A musica e o poder legislativo - 06/07/2006

A Música e o Poder Legislativo

Quando músicos reivindicam a adoção de uma política pública para a música, normalmente voltam sua atenção para o Poder Executivo (sobretudo o Ministério da Cultura). Apenas agora, eles começam a se dar conta de algo que a grande indústria já sabe há muito tempo: o papel central desempenhado pelo Poder Legislativo. Afinal, pelo Congresso passam ou não - as leis que terão reflexo decisivo para a atividade musical.Tramitam pelo Congresso alguns projetos de lei que se aprovados, poderiam se constituir em importantes ferramentas de fomento à música. E há ainda outros que se configuram como séria ameaça para conquistas dos músicos, como o PL 532/03, que acaba com o direito autoral advindo do cinema.Talvez um primeiro ponto para uma ação eficaz seja entender melhor o funcionamento da casa legislativa: sua forma de atuação, os parlamentares que a compõem e de que ferramentas o Congresso dispõe para trabalhar.O trabalho de discussão e o trabalho legislativo fundamental do Congresso se dá dentro das Comissões Permanentes. Segundo o site da Câmara, as Comissões são órgãos técnicos criados pelo Regimento Interno da Casa e constituídos de deputados(as), com a finalidade de discutir e votar as propostas de leis que são apresentadas à Câmara. Com relação a determinadas proposições ou projetos, essas Comissões se manifestam emitindo opinião técnica sobre o assunto, por meio de pareceres, antes de o assunto ser levado ao Plenário; com relação a outras proposições elas decidem, aprovando-as ou rejeitando-as, sem a necessidade de passarem elas pelo Plenário da Casa.É portanto lá que são debatidas, analisadas e votadas em primeira instância as leis que dizem respeito ao setor. É ainda prerrogativa das Comissões convidar ( ou convocar) ministros de Estado para prestar esclarecimentos sobre questões polêmicas, solicitar documentos ao Executivo e propor emendas orçamentárias. Até recentemente, um rápido olhar pela página do Senado na internet nos mostrava um primeiro problema: a Comissão de Educação do Senado, à qual a Cultura está subordinada, está dividida em quatro Sub Comissões: de Cinema, Teatro e Comunicação Social; do Livro; do Esporte; e de Ciência e Tecnologia. Chamava a atenção, naturalmente, a ausência de uma das mais ricas expressões culturais do país, a música. Não tem por que nunca houve demanda, explica o Secretário da Comissão Julio Linhares.Um recente movimento de músicos e entidades ligadas à música, tendo à frente o Núcleo Independente de Músicos, o Sindicato de Músicos do Rio de Janeiro, a Rede Social da Música e a ABMI ( Associação Brasileira de Música Independente), trabalharam com sucesso para modificar essa situação. No dia 31 de maio, em reunião da Comissão no Senado, foi aprovado requerimento que, finalmente, incluía a música na Sub Comissão de Teatro, Cinema e Comunicação Social. Já não era sem tempo. A ausência da música vinha criando distorções na elaboração de determinadas leis, pois não eram ouvidos adequadamente todos os setores, como recentemente ocorreu com a elaboração do referido PL 532/03.Se passamos do Senado à Câmara, a situação é diferente, mas não muito melhor. De estrutura diversa, a Comissão de Educação e Cultura da Câmara é dividida em Sub Comissão de Educação e Sub Comissão de Cultura genericamente. Embora em sua definição as Comissões sejam entendidas como órgãos técnicos, que se manifestam emitindo opinião técnica sobre o assunto, ali dentro trabalham parlamentares nem sempre com o perfil técnico apontado , e muitas vezes sem conhecimento aprofundado dos problemas do setor. Para que o trabalho das Comissões possa se aprofundar em questões estruturais sérias e debates sobre possibilidades de soluções , torna-se fundamental a participação da sociedade civil organizada.Faz-se portanto necessário que as entidades e organizações de músicos e de profissionais que trabalham com a música de uma forma geral, se organizem e subsidiem esses deputados no sentido do aprimoramento de uma política para a música. A tarefa não é fácil mas precisa ser implementada. O parlamentar, dividido entre um número infinito de demandas, não consegue absorver a problemática de todas e nem reter suas principais questões. Agindo então como instrumentos, eles se limitam muitas vezes a apoiar ou pedir às assessorias para elaborarem projetos de leis dos quais muitas vezes, passado um tempo, nem se lembram maisUma outra questão que precisa ser revista é essa reclusão da Música no âmbito da Educação e Cultura. Desconhecer sua função social, seu peso econômico, sua forma sui generis de perpassar várias outras atividades, é sub dimensioná-la de forma equivocada, esquecendo inclusive sua forte dimensão industrial. A música brasileira pode e deve ser assunto das Comissões de Desenvolvimento Econômico, Industria e Comércio, de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, de Turismo de Relações Exteriores, e outras. Mas nessas Comissões assim como na de Educação e Cultura - o quadro não é muito diferente e a participação dos atores desse processo é fundamental.É bem verdade que mais do que instrumentos, necessitaríamos de agentes. Mas na ausência destes, a melhor e única - saída ainda é trabalharmos cada vez mais próximos de nossos representantes no Congresso. O trabalho é árduo, requer grande empenho e presença constante em Brasília. Afinal, um dos elementos complicadores e de certa forma incompreensível para nós, é o fato de nunca se saber com alguma antecedência qual projeto irá entrar em votação em que momento. Isso faz com que a vigilância precise ser constante e diária, pois a qualquer momento e muitas vezes de forma sorrateira determinados projetos podem entrar na pauta.Devemos ter consciência que os setores da indústria da música, os setores que usufruem desse mercado milionário das mais diversas maneiras, sempre se organizaram, fazendo seus lobbies no Congresso e junto ao Poder Executivo, e conseguindo aprovar leis que os beneficiassem. Cabe aos músicos também assumir seu papel fundamental como força criativa e primeira de todo o processo, assim como se organizarem e reivindicarem, de forma eficaz, a elaboração e aprovação de leis que lhes possam ser importantes. E para iniciar esse processo, nada melhor do que começarmos pelo primeiro passo: o conhecimento dos PLs que estão tramitando no Congresso e que se referem à atividade musical. Como contribuição, em matéria anexa, segue um levantamento de uma série de projetos de leis atualmente em tramitação. Mãos à obra! Cristina Saraiva é compositora, produtora fonográfica e membro do Núcleo Independente de Músicos.